- Alessandra, vc nunca mais me peça pra fazer isso - ele apontava o indicador para o teto. Com um olhar fixo na sua musa.
A conversa começou assim. Ele já tava puto com todas aqueles pitis que ela teve durante toda aquela tarde que não se acabava. Eram muitos "mas, amor" pra cá, "vai, por favor" pra lá, "pera um pouco" alí. Muitos.
Mas não era bem culpa dela. Era daquele jeito mesmo - e tava tão bom. O domingo tava mesmo pra dar aqueles passeios que renovam a alma - e ocasionalmente todas as vestimentas que poderiam ornar-lhe a matéria.
Talvez fosse mesmo culpa dele - que deveria entender que a natureza não se muda. Apenas se aceita - ou rejeita. Mas naquele pé que eles tavam, era claro que tinha sido aceita por ele.
- Mas, amor...
E o "mas, amor" era intragável. Golpe baixo. Chute no saco. Ela fazia aquela cara de quem não fazia por mal - e que talvez fosse o último pedido. Às vezes, quando precedia algum pedido impossível, uma promessa de sexo ficava implícita nos dedos que o dedilhavam... E quando se usava dos dedos - minimamente dos dedos - ele já entendia que vinha muito mais além do "mas, amor".
- "Mas, amor" o quê, Alessandra? Já não deu?
- É que esse vestido contrasta mais comigo. Você não quer me ver linda? Perfeita pra ti?
E ela era tão branquinha. Uma alvura de pessoa. De corpo e alma. Uma Iracema nunca é uma má ideia, mas aquela brancura o deixava mudo - ainda mais quando tomava um pouquinho de sol e um tom avermelhado tomava conta do seu rosto.
E tudo se comprava. Com pedidos, olhares, dedos ou mais tudo lhe era possível. Naquela tarde nada mudara. Todas as frescurinhas foram devidamente saciadas - se é que isso fosse possível. Mas aquilo já beirava o ridículo. O que as pessoas iriam pensar? Mas fez.
Fez. Aplaudido pelos presentes que se apoiavam naquele balcão de boteco, o Agenor empenhou o que tinha e o que não tinha para proporcionar a Alessandra mais um sorriso em seu belo rosto. As mãos estavam suadas, mas agarravam firmemente o microfone. Deram-lhe míseros 35 pontos pela interpretação dispensada à música. Um leve rubor lhe subiu a face. Alessandra lhe dera um beijo, e então a conversa começara - daquele jeito: de que nunca mais faria aquilo.
Mas ela contornou a tal conversa, com um sussurro em seu ouvido - talvez, algumas promessas de recompensa. Quem saberia? - e aquele olhar negro e intenso que só ela conseguia fazer.
- Tá bom, mô? Agora a gente canta junto. Juntinho. Só não amassa meu vestido, hein! Aposto que aquela lá do balcão amou meu vestido.
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e aí? 35 pontos pra mim também?