Waldir, Valdete

6.12.07 |

Os seus pais o fizeram Waldir. A vida o fez Valdete. Trabalhava numa dessas boates decadentes no centro velho de São Paulo. Prestava serviços sexuais a tipos que nunca foram homens o suficiente para assumir que realmente não o eram; além de satisfazer as fantasias daqueles que negariam até a morte qualquer outro envolvimento com um corpo marcado pela testosterona.
Morrera num dia feio na capital. Chovia nem muito nem pouco. Mas chovia. Sempre quis morrer num dia desses. Achava poético. Morreu de infarto. Fumava muito. Marlboro Light. Muito mesmo, e a morte provara que de light só tinha o nome.
Alguns amigos (as) e amigas (os) de trabalho foram ao seu enterro num desses cemitérios esquecidos. Alguns choraram; outros lamentaram; um fez um discurso mirrado e sem criatividade; ao fim, todos beberam no bar próximo.
O Tiago, nome de batismo de um de seus colegas, ou para os clientes Amina (um jogo de palavras) era seu companheiro de quarto numa dessas kitnets baratas do centro. Numa carta que chamara de testamento, pedira ao amigo que transformasse seu diário em livro. O colega então começou a lê-lo. Os últimos três anos de vida do jovem-velho transformista foram lidos e relidos por ele. Passara uma semana longe dos programas para transformar o pedido do amigo em realização. Na semana seguinte ao fim da leitura, foi encontrado morto com um tiro na têmpora.
A polícia foi ao apartamento. Um legista apareceu tarde da noite. Tirou umas três fotos, mediu a temperatura do corpo, cheirou um pouco de coca que trazia no bolso da calça. Disse ao dono da kitnet que o laudo sairia em 15 dias. Perguntou se não tinha parente próximo. Ninguém sabia. Foi enterrado num cemitério mais barato do que o de Valdete, com o dinheiro da previdência pública.
A mulher do locatário, beata da Sé, roliça e mal vestida (e mal cheirosa, diga-se também) perguntou numa noite ao marido do que é que o rapaz, Tiago, sempre gentil para com ela, tinha morrido.
- Parece que se matou – ele respondeu rapidamente. Voltou ao futebol dominical
Na semana seguinte todos os moradores do prédio já tinham ouvido da mulher a causa mortis:
- Tinha a doença. Ia morrer. Se matou com um tiro.
Ele não tinha. Nem Valdete. Mas era mais interessante falar aquilo. Pra ver se a moçada não se metia mais com essas “orgias”.
No fim da história (se é que isso poderia ser uma história), o legista anotou suicídio em seu laudo só pra tirar o papel da sua mesa; o diário sumira, literalmente, da noite para o dia, juntamente com as fotos que continha; e a honra do locatário permaneceu intacta: como sempre foi.


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D. Alzira não gostou. Ela não gosta de textos que abusam de orações coordenadas. Odiou o tema: prefere assuntos que realmente condizam com a realidade. Disse também que abomina os transformistas, e perguntou se tenho alguma coisa contra gordinhas: "onde já se viu dizer roliças"?. E não acredita que a polícia tenha agido assim, por que segundo ela, "o governador vem agindo com mão-de-ferro para combater os maus elementos da corporação e da sociedade". E aproveitou o espaço pra protestar e dizer que as revistas todas estão engandas: o Ferraço não vai dar outro golpe na moçinha loira da novela.