A moça do vestido

5.12.09 |

Usava um vestido vermelho curto com estampas de flores brancas, passara um batom que combinava e usava um colar dourado – para dar sorte. Estava ali por quase uma hora e nada. Alguns carros reduziam a velocidade ao passar, um mais curioso abaixou o vidro da janela para ver com mais atenção, mas nenhum deles parara até então. Sua mãe sempre dissera que não fora dada à beleza - o problema era o rosto: comprido demais. Pelo menos, tinha a bunda pra compensar.

A ansiedade se misturava com o medo e produzia um cheiro estranho, amadeirado e forte. Para isso usava de um perfume igualmente forte (e barato), que a colega indicara. Tinha até nome em francês, difícil de falar: tinha que fazer biquinho, o que segundo a moça, não era difícil para quem já estava treinada.

Fazia bastante frio. Mesmo no verão, as avenidas são geladas, especialmente aquelas cercadas por prédios grandes, feios ou bonitos. Não podia sequer usar uma blusinha, porque ninguém compraria nada sem saber o que levava. E tinha uma tão linda: amarela, de um fio trançado – comprou numa loja simples, com uma atendente que tava pra se casar e um barrigão enorme. Sheila, a colega, dizia que nem era tão bonito, e que ela só tinha comprado pra ajudar o Roberto Carlos, o bebê que aguardava lá na barriga da vendedora.

Esperou mais um pouco, até que um carro prateado parou e a levou. Era um rapaz bonito: alto, moreno, olhos escuros. Não parecia alguém que precisasse pagar para isso. Não disse nada até chegar ao quarto do motel próximo. Ela não se atreveu a quebrar o silêncio. A ansiedade e o medo se revelariam na voz ou nos gestos, revelando ao cliente que era nova no negócio, e como para isso não existia perfume, boca calada – não fechada, como tinha sido orientada.

O moço cheirou um pouco, ofereceu à garota – por educação – que rejeitou, fez o que queria e para o que pagara, umas duas vezes. Bruta e precocemente. Não se falaram além do que era necessário: “agora por trás? de pé?”. A moça já não sentia tanto medo. Lembrou até do ex-namorado (parecia um pouco), mas ele era mais delicado com ela – e ela dava de graça. Ansiedade continuou a sentir até receber o combinado: não fazia descontos, nem para moços bonitos. Ali não tinha “pindura”! Ele a devolveu a grande avenida gelada, com um pouco menos de dignidade, e um pouco mais de dinheiro na bolsa. Sabia ela que o dono do mercado não aceitava dignidade como pagamento.

Sheila estava lá de volta também. Deu um sorriso contido para a moça do vestido, que estava mais adiante. Logo, viriam mais carros. Esperava-se. As contas viriam inevitavelmente, assim, era bom que viessem mais carros. O outro moço, que as olhava de longe, também viria – e ele também esperava. Quem sabe de tanto esperar não encontrariam um possível amor que estivesse pronto para resgatá-las, sabe-se lá como e de onde estivessem? Ela esperava. Até lá, bastava que pagassem, e como o combinado. E assim estava bom.
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Faz um tanto de tempo. Espero (também) que me desculpem e continuem voltando ao sedex. E digam sempre se gostaram ou não.
Esse texto, em especial, não tem um climax comum e aparente. É denso, apenas. No entanto, acho eu que vale a pena. Lê-lo de uma só tacada, compreendendo aos poucos.